sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Partos e Viagens

Era uma tarde chuvosa. O ambiente era cinza, sem vida e chovia muito lá fora. Eu me peguei pensando na minha viagem, se tudo correria bem, se eu deveria pegar logo aquele ônibus e ir embora para casa, se havia um horário mais cedo para que pudesse ir logo, mas não havia. Era somente eu e meus pensamentos. Aos poucos, voltando para a realidade, percebi que não estava sozinha. Haviam pessoas circulando a estação, vagarosamente, como se esperassem pela morte. Elas andavam sem rumo, apenas andando sem pensar em nada, quase as pude ver em câmera lenta. Em mais uma de minhas viagens mentais, não pude perceber que a moça estava parada à minha frente, ela dizia algo.

- Moça?

Aos poucos percebi suas feições. Ela tinha um rosto angelical, sutil e livre de imperfeições como rugas ou espinhas. Sua pele cor chocolate era reluzente, mesmo para uma tarde de chuva nublada, sem brilho. Ela me olhava com seu sorriso simpático, esperando que eu a respondesse, ou que pelo menos respirasse. Eu estava na frente do guichê eletrônico para a retirada de minha passagem. Por algum motivo estranho, me senti perturbada, irritada e apressada. Queria minha passagem logo para esperar o tão desejado ônibus. Imprimi a passagem, o ônibus sairia 17:40h, eram apenas 16h. Mais de uma hora para esperar. Eu virava as costas para descer para o primeiro andar quando a moça simpática me chamou.

- Moça, você esqueceu dos seus dados, precisa colocá-los para poder viajar.

Agora eu percebia que ela era uma "helper", uma daquelas pessoas que ficam pelos shoppings e estações de metrô auxiliando as pessoas a se localizarem. Voltei ao guichê, cada vez mais impaciente, ela se posicionou ao meu lado para me ajudar. Algo naquela expressão dela me incomodava, me assustava. Fiz novamente minha passagem, coloquei meu nome, telefone, CPF, RG e finalmente imprimi, agora sim não teria erro. Quando virava as costas, ela me segurou pelo braço.

- Deixe-me fazer uns exames.
- O quê?
- Calma, é coisa de rotina.

"Essa mulher é louca", pensei. Agora sabia que algo estranho ela emanava, algo misterioso. Enquanto me examinava, perguntava coisas pessoais, como por exemplo quantos namorados eu tive, qual o número que eu calçava ou ainda minha cor preferida. Ao final, ela disse que estava tudo certo comigo, exceto uns imensos e profundos arranhões nas costas.

- Ah sim. Sábado passado eu estava em saída de campo com minha turma do ensino médio. Estava um dia maravilhoso e estávamos na chácara do meu avô. Enquanto todos se acomodavam, fui sair do ônibus e caí em um punhado de gravatás que havia ali perto, tudo porque tropecei em um buraco. Ralei minhas costas inteiras.
- Tome mais cuidado.

Agradeci e saí em direção ao elevador de vidro panorâmico que havia no pequeno lugar. Peguei minha mala e fui para o primeiro andar. Ainda tinha uma hora antes da saída do ônibus, então resolvi tentar achar algo para comer. Achei um Mc Donalds no fundo da rodoviária, mas estavam fechando.

Voltando para as salas de espera, entrei e lá vi uma mesa com biscoitos recheados de chocolate e doce de leite. Eu estava com muita fome e peguei um copo de água para colocar os biscoitos e subir para o terceiro andar da sala de espera. Fui ao elevador, subi os dois andares e saí em uma outra sala que estava com a porta fechada. Entrei e me deparei com um grupo de mulheres que eram instruídas por um homem, porte físico de atleta, bonito e com uma voz encantadora. Sentada ao chão, ao lado dele, estava uma mulher de vestido longo amarelo, seus saltos jogados ao seu lado. Ela não parecia nada feliz. Fui para o canto da sala e me sentei onde havia a janela panorâmica que enxergava toda a parte norte da cidade, juntamente com a chuva que ainda não parara de cair. Ele continuou sua fala.

- Aconteceu comigo um tempo atrás uma situação parecida com essa. Uma mulher estava prestes a dar a luz na minha frente, mas estava muito nervosa. Ela estava em sofrimento pois não sabia o que fazer e estava com medo. Minha obrigação foi ajudá-la a se acalmar, lhe dando palavras de apoio a todo o momento.

A mulher no chão gritou de dor.

- Isso vai passar logo, minha flor, confie em mim, tudo dará certo no final. - Ele segurou sua mão e acariciou seu cabelo. Falou para as mulheres ao redor. - Isto se trata de uma situação real, por favor tragam aquela toalha e as almofadas ali. Obrigado. Agora minha flor, olhe para mim, olhe bem nos meus olhos. - A mulher sentia as fortes contrações, mas mesmo assim o olhou nos olhos. - Isso tudo irá passar em segundos e você não irá mais se preocupar com a dor e sim com seu filho que está nascendo. - A voz dele ficava cada vez mais mansa. - Tudo o que você desejou está agora se tornando realidade, você está se tornando mãe e logo terá um grande futuro pela frente juntamente com seu filho.

A mulher gritou novamente, mais forte.

- Está vindo! - Uma das mulheres que ajudavam gritou. - É um menino lindo!

A nova mãe se emocionou, o tutor lhe deu um beijo na testa e todas as outras mulheres aplaudiram, emocionadas. Eu olhava aquela cena, ainda admirada com a capacidade daquele homem de lhe passar tanta segurança e tranquilidade. Recostei minha cabeça na janela, olhando para a chuva e imaginei se chegaria ao meu futuro tal façanha. A chuva, calada, somente caía.

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