sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Filhotes Everywhere

Eu fazia parte de uma instituição de caridade de animais abandonados e órfãos. Eu e mais 20 voluntários nos disponibilizávamos para tratamento e reabilitação de filhotes de animais, fossem eles domésticos ou selvagens. Nós tínhamos imensas dificuldades para manter o lugar em condições favoráveis, dia após dia apareciam mais e mais animais perdidos e abandonados. 

Naquele dia, nós tivemos nossa maior surpresa de todas.

- Olha só! Por essa vocês não esperavam! - Falou a recepcionista da instituição.

Eu pensava no que poderia ser tão incrível ou assustador, ou seja lá o que ela quis dizer com aquela frase. Eu ficava dentro da ala veterinária, acomodando os animais que chegavam, junto com mais duas mulheres, mas ouvíamos tudo desde a recepção até o pátio e tudo que posso descrever foi uma chuva de "ai, meu Deus", "que amor" e "que pecado" que vinha da frente.

- O que será que é tão exaltante? Nunca vi elas nesse estado... - falei para uma das colegas que estava comigo.

Quando chegou até nós, pude ter a certeza de que o pessoal não estava exagerando. Recebemos em caixas de papelão filhotes de pardais e gatos. Muitos, mas muitos filhotes de pardais e gatos! Os pardais colocamos em gaiolas especializadas, eles estavam bem abatido e eu estava receosa se a recuperação deles iria ocorrer, mesmo que eles tivessem a mãe com eles, seria difícil. Já os gatos foram a maior surpresa do dia. Eles vinham em duas caixas, eram três gatas adultas com mais ou menos 30 gatinhos ao redor delas, deviam ter uma semana e meia de idade.

- Uau!

- Caramba...

Haviam filhotes de tudo quanto era cor, desde siameses a rajados, malhados a tigrados, brancos, amarelos, pretos, cinzas e alguns eram tão escuros que na luz ficavam até azuis. As três gatas eram cinzas tigradas, então nós chegamos à conclusão de que eram mães adotivas de alguns dos gatinhos ali, sendo que no máximo 15 poderiam ser das três juntas. Os gatinhos miavam e as mães não tinham condições para cuidar de todos.

- Vamos aderir às luvas de leite!

Então pegamos luvas de látex com leite dentro e colocamos alguns gatinhos para mamarem. A missão a partir de agora seria criá-los e cuidá-los até terem idade suficiente para serem adotados e arranjar as pessoas para a adoção. Aquela missão ia ser complicada, mas tudo acabou bem. Alguns dos sobreviventes de pardais foram soltos na natureza. Uma gata e seus filhotes ficaram comigo. Depois de grandinhos, conseguimos que o orfanato e o asilo da cidade adotassem os animais para a reabilitação das crianças e idosos.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Contrabando de Unhas Postiças

- Corre!

A polícia vinha atrás de nós. Como não percebera antes que ela era ladra? Como não me dei conta de que alguém pudesse ser tão sagaz? Mesmo sendo da família e sabendo de sua fama, nunca soube de nada até o certo momento em que ela disse "fiz contrabando e a polícia tá atrás de mim". Agora, a polícia estava atrás de nós! Minha ingenuidade não percebeu que agora eu era cúmplice, mas não iria ficar parada para levar tiros.

- Corre, rápido!

Ela ria da situação. Dani era uma pessoa espetacular, alto astral, fazia do momento uma aventura completa, mas que não tinha medo do perigo. Ela parecia não ter medo de nada, na verdade. Se arriscava como se não houvesse o amanhã e ela devia estar certa, afinal não sabemos até quando estaremos vivos. Entramos em uma casa linda, branca com portões baixos e garagem de vidro. Havia um Fiat Siena sedã de cor prata lindo naquela garagem. Nos abaixamos no outro lado do muro. Ela, rindo do outro lado da mureta, esticou o indicador em frente à boca, sinal de silêncio. Eu suava frio. Se nos pegassem, era nosso fim. Ou meu fim, sei lá. Eu sabia que na corrida não ganharia, mas ela corria muito, devia estar acostumada.

Os carros passaram e os policiais foram embora. Ainda ouvíamos a sirene quando ela levantou calmamente, ajeitou o shorts e foi entrando na casa pela garagem.

- Essa casa... é sua? - levantei lentamente indo atrás dela. Tinha um jardim na frente da casa, uma grama bem cortada, arbustos verdes moldados parecendo pufes, alguns anões de jardim, duas palmeiras de jardim que costeavam um caminho de pedras brancas que levava do portão até a porta de entrada e algumas folhagens. A casa podia ser linda, mas me encantou aquela garagem.

- Digamos que é. - ela disse, colocando a chave na fechadura cromada. - Era da minha mãe até ela se mudar com o cara que ela tá namorando. Vem aqui, quero te mostrar uma coisa.

Entramos e logo depois da porta da garagem, havia um tipo de fábrica, não sabia bem explicar o que era aquilo, mas tinha máquinas por todo o lado e estantes com ganchos.

- Este é meu mais novo empreendimento, confecção de unhas postiças decoradas! Que tal?

Ela estava tão feliz com aquilo tudo que nem pude dizer o quão estranho era aquilo tudo.

- Este é o motivo pelo qual a polícia estava me perseguindo.

Unhas. Este era o motivo pelo qual corri até perder o pâncreas?

- Unhas? - tirei da mente a palavra que mais ecoava no momento.

- Sim. Contrabandeei uma tonelada de unhas postiças de Portugal para abrir meu negócio e os fiscais descobriram, agora estão atrás de mim. Que ridículo, não?

- Sim. Unhas. - repeti, incrédula.

Assim que entendi a situação, ela me mostrou seu estoque de unhas decoradas.

- Serão um sucesso, posso até ver! Olha essa, linda não? E esta aqui, é a que mais adoro...

- Sim, são lindas. - fui passeando por entre as estantes e vi o quanto devia ser trabalhoso. Cada detalhe, cada paisagem, cada ideia! Ela tinha o dom para a coisa e não tinha nada a perder. As estantes eram divididas em tribais, paisagens, flores, animas, abstrato, francesinha, cores cheias e fusão, uma mais linda que a outra.

- Acha que pode dar certo?

- Com certeza! - eu disse. - Nossa, que talento, Dani! Como nunca me contou?

- Ah, fui descobrir a pouco tempo. Quero juntar dinheiro com algo que sou boa e pagar minha dívida com a polícia, assim não preciso andar me escondendo o tempo inteiro.

Fiquei feliz e aliviada por ver que ela queria mudar, queria ser alguém na vida e estava dando o seu melhor para conseguir isso. Depois de tudo que ela passou, depois de tanta falcatrua e fugas, é realmente admirável que ela tenha tido essa atitude e eu a apoio de todo o coração, afinal 10% das vendas são minhas. Fazer o que, cúmplice é cúmplice.

Filmes e Filhotes

- Ah, por favor, vem aqui pra casa!
- Mas não é muito tarde?
- Claro que não! Pode vir!

Rodrigo estava meio receoso. Não sabia se vinha ou não vinha para minha casa. Ele achava que coisas poderiam acontecer, era um medroso. Depois de muita insistência, ele resolve vir. Ele não morava muito longe da minha casa, depois da subida e virava a esquina e lá estava a casa dele. Ele chegou trazendo um filme.

- Não precisa, a gente tem Sky! Vem, senta aqui. - puxei ele para o sofá de dois andares que tínhamos na sala (assistir Uma Aventura LEGO me fez querer ter um).

Sentamos e fui procurar filmes para assistirmos. Achei um do Super-Homem.

- Gosta dele? - perguntei
- Sim.
- Ah, eu preferia olhar o Flash, mas Super-Homem deve ser bom também! - dei um risinho.

A conversa foi essa. Nem a mais, nem a menos. Assim, sem sentido algum e ainda com um desconfiado fazendo jogo duro, mas mesmo assim eu estava animada. Fazia tempo que não me sentia bem com um amigo. Um grande amigo, pode-se dizer. Ou ainda, melhor amigo. Ele era incrível. Nunca vi uma pessoa me compreender tanto como ele me compreende. Sentamos lado a lado no sofaliche e então lembrei que não tínhamos tiramo uma foto sequer.

- Ah, vamos tirar umas selfies!

Ele ainda se via receoso, mas ficou animado com a ideia das fotos. Fiquei sentada ao lado dele e puxei ele de forma que ficasse escorado no meu ombro. Estiquei o braço com o celular e tirei muitas fotos. Nós ríamos muito e por um momento, quando virei para olha-lo, estávamos tão perto que pude sentir sua respiração em meu rosto, nossas bocas quase se encontrando. Ele se ajeitou no sofá, por que insistia em me evitar? Era algo que nunca iria descobrir. A noite chegara rápido, assim como a chuva.

- Acho que você vai ter que ficar por aqui, essa chuva parece que não vai passar hoje.

Arrumei o sofá para ele dormir e fui apagar a luz. Confesso que senti um clima rolando, pelo menos da minha parte. Quando cheguei no interruptor, olhei para a porta de casa e lá estava meu pai, assim como uma fantasma, me olhando. As luzes no resto da casa estavam acesas, menos a da rua. Eu a segui e ela desapareceu. Entrei e fui para o meu quarto e estavam colocando uma cama a mais, que seria a da minha irmã.

- Por que estão colocando aqui? Ela ronca.
- Estava na hora de ela ter um quarto. - disse minha mãe, surgindo de seu quarto que também estava de mudança.
- Mas precisava ser o meu quarto? Ela tem o dela ali. - apontei para o lado do quarto.
- Em pouco tempo você não estará mais aqui e este quarto será dela.

Nossa, me senti uma intrusa, uma mera inquilina na casa. Senti um leve desconforto quando insinuou que em breve teria que deixar a casa, mas continuei a perceber o que estava acontecendo naquela casa. Parecia uma mudança, caixas empacotadas, gaiolas, quartos quase vazios. Na outra sala entre os quartos tinham duas gaiolas com bichos muito estranhos, mas por um deles me apaixonei.

- O que é esse bicho, mãe?
- Ah, é um... - algo caiu e abafou o som de sua voz, não pude saber o que era, mas sua rara mistura de espécies era linda.

O animal estava dormindo enquanto lhe admirava. Era um tipo de canídeo, parecido com um pug de cor areia e manchas brancas e chocolate. Em seu rosto, uma espécie de bico se mantinha ao lugar de seu focinho. Agora percebia que era uma espécie de filhote de hipogrifo. Abri a gaiola e o peguei, ainda sonolento. Ele era uma bolinha gordinha e fofa, me apaixonei imediatamente.Ele estava com as duas patas da frente enfaixadas e quase não conseguia andar direito, mas também não me contaram o motivo. Mas o que aquele grifo estaria fazendo em uma gaiola? Será que estaria sendo contrabandeado pela minha família que até então não me dera informação nenhuma do que estava acontecendo? Em uma outra gaiola, se encontrava um filhote de ave, de porte relativamente grande pra um filhote, do tamanho aproximado do "puggrifo". Ele ainda era róseo e sem nenhuma pena, parecia filhote de águia-real. Aquele ser não me chamara muito a atenção, mas sua pele rugosa e quente dava uma sensação de maciez quando encostada. Perguntei o que era e me explicou que eram filhotes de calopsitas gigantes.

Guardei o "puggrifo" e fui para o quarto de meus pais. Lá haviam mais bichos. Uma galinha ruiva aparentemente adotou um filhote de peru. Não entendi o por quê de tanto filhote naquele dia, mas estava cheio deles e todos com alguma relação com aves. Peguei o peruzinho para vê-lo mais de perto, ele tinha penas brancas, estranhas para um peru. A galinha mãe adotiva se desesperou e começou a procurá-lo por debaixo da cama, já que ele sempre seguia ela. Assim que soltei, ele foi correndo em direção à ela e se escondeu em suas penas. O detalhe que ele era do tamanho dela e não conseguia mais se esconder, o que nos causou algumas risadas.

A imagem embaçou e voltei para a realidade. Não sei o paradeiro do Rodrigo e nem o que aconteceu depois com os animais exóticos.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Visões

Eu lembro daquele dia como se fosse ontem. Éramos meras crianças, tínhamos no máximo 9 anos. Lembro daquele sol maravilhoso e da maresia de Miami que nos enfeitava o rosto com o ar salgado. O padrasto de minha amiga Carol ainda olhava por nós, da beira da praia sentado em sua cadeira. Nós brincávamos muito naquele mar, aquelas rochas gigantes ao redor, uma água límpida e pura, cheia de crianças assim como nós. Ah, como era bom.

- Olha, Carol, achei um peixe! Vamos ver quem acha mais peixes pela praia? - E saíamos pela praia afora. Foram as melhores férias da minha vida.

Agora crescidas, adultas, somos donas de nós mesmas. Chegamos na casa da praia que costumávamos ficar quando pequenas e nossa, como mudou! Fizeram uma extensão, construíram mais quartos, tem um banheiro enorme e ainda chuveiro e banheira de hidromassagem, tudo separadinho, lindo, branco. Só uma coisa me incomodava e era o fato de as janelas estarem fechadas, lacradas. Largamos nossas malas no canto, perto da cozinha e enquanto eu ainda ficava boquiaberta com o tamanho daquela casa que conheci quando tinha uns 4 metros quadrados, Carol me chamava para a rua. Ela era toda sorrisos.

- Quero lhe apresentar minhas duas melhores amigas de infância, Melissa e Chloe! Quando vínhamos para Miami direto, eu e elas passávamos os dias brincando na praia.

Cumprimentei as duas moças, ambas com 21 anos. Eram duas loiras gêmeas lindas, de olhos verdes e cabelos compridos ondulados, de causar inveja. Uma delas era até um pouco mais castanha (se não me engano era Melissa). Elas esboçavam simpatia no rosto com um sorriso perfeito. Assim que as vi, senti como se as conhecesse durante muito tempo. Entre uma brincadeira e outra, falei.

- Bom, eu vim para cá tentar desencalhar, mas pelo visto vou voltar é mais encalhada ainda!

Todas riram. Senti que tinha algo a mais naquele riso, algo oculto.

- Elas querem nos apresentar dois amigos delas. - Carol me falou. - Eles estão chegando daqui a pouco.

Fiquei pasma e até empolgada com a situação, afinal eu já não namorava tinha quase um ano. Enquanto conversávamos do lado de fora da casa, na varanda, percebi a expressão delas mudar quando os garotos chegaram. Era uma felicidade só, elas pareciam estar querendo que este encontro às cegas desse mesmo certo. Os dois se aproximaram. Era um loiro e um moreno, ambos muito bonitos e fofos. Nos cumprimentamos e rapidamente senti o olhar do moreninho me fisgar. Ficamos nos encarando por uns momentos até Carol me cutucar para voltar para a realidade. Uma das gêmeas fez o convite.

- Depois do almoço, vamos até à Praia do Forte para fazermos algo, vocês deviam vir com a gente.
- Nós iremos sim. - eu disse, dando uma piscadinha para Carol. O moreninho ainda não tirara os olhos de mim. - 14h na Praia do Forte.

Um pouco antes do horário combinado, Carol e eu começamos a nos arrumar. Peguei na mala uma sacola de roupas novas, ainda etiquetadas, junto com colares e pulseiras que eu havia colocado junto. Vários conjuntos de blusas e shorts eu havia comprado, queria uma bem chamativa. Peguei um maxi colar de flores delicadas rosas e amarelas, todas em degradê e uma pulseira basicamente no mesmo estilo. Peguei um conjunto de uma regata rosa com detalhes em amarelo com um short jeans escuro.

- Sabe, eu fiz uma lista das 8 coisas que eu queria fazer esse ano. A primeira delas é me arriscar mais. Queria me aventurar, subir em morros, escalar rochas, viver intensamente, sabe?

Eu ouvia Carol falando comigo, mas de repente sua voz começou a ficar distante, confusa e então eu tinha me teletransportado para outro lugar, era uma igreja ou uma capela. Tinha uma mulher rezando lá, no último banco, na penumbra. O ambiente era escuro, sombrio, apenas com velas iluminando. Lentamente ela virou a cabeça para me olhar e vi seus olhos vermelhos cor de sangue. Mas era sangue mesmo! Senti uma mão encostar no meu braço.

- ... não acha?

Carol falava comigo. Eu nem tinha me dado conta de que tinha voltado para a realidade.

- É verdade. - respondi no automático. Ainda estava abismada com o que acontecera. - Quem sabe eu coloco meu bikini? Vai que entramos no mar, né?
- É uma boa. - percebi que Carol viu como eu tinha ficado diferente, mas ia ser assustador demais contar a ela naquele momento.

Peguei meu bikini branco e fui colocá-lo. Lembrei também de pegar meu casaquinho marrom, caso ventasse muito e então saímos. Chegando no local marcado, podíamos ver toda a cidade, mais o mar e as rochas que o cercavam. Para o lado da praia, o tempo estava lindo, mas havia uma tempestade se formando para o lado da cidade. Enquanto esperávamos, ficamos conversando sobre a praia, ela era estranha e sem nenhuma onda. Havia uma lenda que dizia que aquelas águas eram as mais profundas da região, que pessoas e animais já haviam morrido ali e que era uma praia perigosíssima. Mas por que marcaram esta praia afinal? Percebi o quão Carol estava apreensiva e resolvi tentar distrai-la.

- Vamos aproveitar e fazer umas fotos aqui enquanto eles não chegam? Esse lugar é lindo! Ó, tira com meu celular.

Entreguei meu celular pra ela e me apoiei numa ruína do forte ao meu lado. Ao fundo, aparecia o mar, o morro, a cidade e um hotel gigantesco na beira da praia, e mais a tempestade que se formava. Depois das fotos, fomos descendo a trilha e encontramos os dois rapazes subindo. Assim que passaram por uma ruína, saiu de trás um bando de lhamas que pareciam muito irritadas. Cada vez a tempestade se aproximava. E cada vez os bichos iam ficando mais e mais bravos. Quando tudo ficou escuro, elas se transformaram. Os mesmos olhos que vi da mulher na capela eu vi nas lhamas. Olhos vermelhos, sangrentos e macabros. Elas começaram a correr atrás de nós, enquanto subíamos correndo até uma grande rocha. Carol era protegida pelo loirinho enquanto o moreninho me puxava para perto dele, mas percebi que só quem podia pará-las era eu. Encarei-as nos olhos e senti uma mudança em mim. Em segundos, me transformara em um monstro horripilante, com boca de dragão e fileiras de dentes assim como tubarões. Meus olhos transmutaram para o mesmo vermelho sangue que havia nas lhamas e então eu rugi, tão alto que estremeceu. As lhamas pararam e voltaram ao normal, assim como eu.

Corremos para a casa e as meninas simpáticas haviam chamado inúmeros amigos para uma festinha privada. Quando entrei na casa, vi o estrago que estavam fazendo no banheiro gigante (todos obviamente de bikinis e bermudas). Nas latrinas para roupa suja, tinha gente deitada. No chuveiro tinham quatro garotos, três valentões e um pobre coitado que estava sendo forçado a pegar bichos que estavam pelo box. Cheguei mais perto e vi uma enorme planária no chão do chuveiro. Na hidromassagem, tinham umas sete ou oito pessoas doidas, bêbadas e drogadas, tanto que contrataram até mesmo um segurança para ficar do lado de fora da hidro e deixar entrar "só pessoal autorizado". Aquela baderna estava me fazendo mal, então eu fui para a rua e de repente tudo estava nevando. Sentei em um banco e o moreno sentou ao meu lado. Ele me abraçou e tentou roubar um beijo, mas meu nojo pelo que eu tinha visto dentro daquela casa estava enorme. Ficamos abraçados um tempo. Ele falava comigo, mas eu novamente me teletransportava e então eu vi o caos. Assim que olhei para o chão, rastros de sangue vinham da casa. As pessoas que sobreviveram estavam em estado de choque do lado de fora. Foi correndo dentro de casa e a fumaça contaminava o ambiente. Havia sangue nas paredes, marcas de mãos, arranhões e pessoas caídas. Na hidromassagem, cinco pessoas estavam mortas, boiando no próprio sangue, enquanto outras duas tentavam desesperadamente sair antes que também morressem. O segurança de forma automática falava "somente pessoal autorizado". No chuveiro, dois estavam mortos. Foi horrível. O causador daquilo tudo tinha sido a planária, que espalhara uma doença fulminante que matou aquelas pessoas todas e quem ainda não estava morto, estava no mínimo condenado a não sair do recinto para não espalhar a doença. Todos estaríamos condenados a virar zumbis humanos.

E então senti minha boca queimar. Numa forte tontura voltando para o momento, vi meu moreno me beijar ansiosamente antes que a tempestade acabasse com tudo. Ainda sentados no banco, o abracei forte e deixei que os pingos de chuva acalentassem nossas almas. Foi bom ter voltado para a realidade.

Partos e Viagens

Era uma tarde chuvosa. O ambiente era cinza, sem vida e chovia muito lá fora. Eu me peguei pensando na minha viagem, se tudo correria bem, se eu deveria pegar logo aquele ônibus e ir embora para casa, se havia um horário mais cedo para que pudesse ir logo, mas não havia. Era somente eu e meus pensamentos. Aos poucos, voltando para a realidade, percebi que não estava sozinha. Haviam pessoas circulando a estação, vagarosamente, como se esperassem pela morte. Elas andavam sem rumo, apenas andando sem pensar em nada, quase as pude ver em câmera lenta. Em mais uma de minhas viagens mentais, não pude perceber que a moça estava parada à minha frente, ela dizia algo.

- Moça?

Aos poucos percebi suas feições. Ela tinha um rosto angelical, sutil e livre de imperfeições como rugas ou espinhas. Sua pele cor chocolate era reluzente, mesmo para uma tarde de chuva nublada, sem brilho. Ela me olhava com seu sorriso simpático, esperando que eu a respondesse, ou que pelo menos respirasse. Eu estava na frente do guichê eletrônico para a retirada de minha passagem. Por algum motivo estranho, me senti perturbada, irritada e apressada. Queria minha passagem logo para esperar o tão desejado ônibus. Imprimi a passagem, o ônibus sairia 17:40h, eram apenas 16h. Mais de uma hora para esperar. Eu virava as costas para descer para o primeiro andar quando a moça simpática me chamou.

- Moça, você esqueceu dos seus dados, precisa colocá-los para poder viajar.

Agora eu percebia que ela era uma "helper", uma daquelas pessoas que ficam pelos shoppings e estações de metrô auxiliando as pessoas a se localizarem. Voltei ao guichê, cada vez mais impaciente, ela se posicionou ao meu lado para me ajudar. Algo naquela expressão dela me incomodava, me assustava. Fiz novamente minha passagem, coloquei meu nome, telefone, CPF, RG e finalmente imprimi, agora sim não teria erro. Quando virava as costas, ela me segurou pelo braço.

- Deixe-me fazer uns exames.
- O quê?
- Calma, é coisa de rotina.

"Essa mulher é louca", pensei. Agora sabia que algo estranho ela emanava, algo misterioso. Enquanto me examinava, perguntava coisas pessoais, como por exemplo quantos namorados eu tive, qual o número que eu calçava ou ainda minha cor preferida. Ao final, ela disse que estava tudo certo comigo, exceto uns imensos e profundos arranhões nas costas.

- Ah sim. Sábado passado eu estava em saída de campo com minha turma do ensino médio. Estava um dia maravilhoso e estávamos na chácara do meu avô. Enquanto todos se acomodavam, fui sair do ônibus e caí em um punhado de gravatás que havia ali perto, tudo porque tropecei em um buraco. Ralei minhas costas inteiras.
- Tome mais cuidado.

Agradeci e saí em direção ao elevador de vidro panorâmico que havia no pequeno lugar. Peguei minha mala e fui para o primeiro andar. Ainda tinha uma hora antes da saída do ônibus, então resolvi tentar achar algo para comer. Achei um Mc Donalds no fundo da rodoviária, mas estavam fechando.

Voltando para as salas de espera, entrei e lá vi uma mesa com biscoitos recheados de chocolate e doce de leite. Eu estava com muita fome e peguei um copo de água para colocar os biscoitos e subir para o terceiro andar da sala de espera. Fui ao elevador, subi os dois andares e saí em uma outra sala que estava com a porta fechada. Entrei e me deparei com um grupo de mulheres que eram instruídas por um homem, porte físico de atleta, bonito e com uma voz encantadora. Sentada ao chão, ao lado dele, estava uma mulher de vestido longo amarelo, seus saltos jogados ao seu lado. Ela não parecia nada feliz. Fui para o canto da sala e me sentei onde havia a janela panorâmica que enxergava toda a parte norte da cidade, juntamente com a chuva que ainda não parara de cair. Ele continuou sua fala.

- Aconteceu comigo um tempo atrás uma situação parecida com essa. Uma mulher estava prestes a dar a luz na minha frente, mas estava muito nervosa. Ela estava em sofrimento pois não sabia o que fazer e estava com medo. Minha obrigação foi ajudá-la a se acalmar, lhe dando palavras de apoio a todo o momento.

A mulher no chão gritou de dor.

- Isso vai passar logo, minha flor, confie em mim, tudo dará certo no final. - Ele segurou sua mão e acariciou seu cabelo. Falou para as mulheres ao redor. - Isto se trata de uma situação real, por favor tragam aquela toalha e as almofadas ali. Obrigado. Agora minha flor, olhe para mim, olhe bem nos meus olhos. - A mulher sentia as fortes contrações, mas mesmo assim o olhou nos olhos. - Isso tudo irá passar em segundos e você não irá mais se preocupar com a dor e sim com seu filho que está nascendo. - A voz dele ficava cada vez mais mansa. - Tudo o que você desejou está agora se tornando realidade, você está se tornando mãe e logo terá um grande futuro pela frente juntamente com seu filho.

A mulher gritou novamente, mais forte.

- Está vindo! - Uma das mulheres que ajudavam gritou. - É um menino lindo!

A nova mãe se emocionou, o tutor lhe deu um beijo na testa e todas as outras mulheres aplaudiram, emocionadas. Eu olhava aquela cena, ainda admirada com a capacidade daquele homem de lhe passar tanta segurança e tranquilidade. Recostei minha cabeça na janela, olhando para a chuva e imaginei se chegaria ao meu futuro tal façanha. A chuva, calada, somente caía.